Dia
de Corpus Christi. O que é isto? A tradução literal da expressão latina é
"Corpo de Cristo". Refere-se a uma solenidade Cristã celebrada
anualmente na primeira quinta-feira após o Domingo da Santíssima Trindade, para
comemorar a eucaristia. A celebração do Corpus Christi acontece na igreja
latina desde o século XIII. A primeira pessoa a pensar em uma festa especial
para o sacramento eucarístico foi Santa Juliana (1193-1258), freira do convento
agostiniano de Monte Cornillon, na Bélgica. Juliana compartilhou sua ideia com
Robert de Thorete, então bispo de Liége, e com Jacques Pantaleón, que mais
tarde seria o Papa Urbano IV. Como no regime católico de administração
eclesiástica os bispos têm autoridade para ordenar a celebração de festas em
suas dioceses, ele convocou um sínodo em 1246, e ordenou que a celebração
acontecesse no ano seguinte. O bispo Robert morreu antes disto, mas a festa foi
realizada assim mesmo. Em 1264 o Papa Urbano IV publicou a bula “Transiturus”,
na qual ordenava a celebração da festa de Corpus Christi em todo o mundo (e não
mais apenas na diocese de Liége). Aos poucos a festa passou a ser celebrada:
Colônia (1306), Worms (1315), Strasburg (1316). Desde então, tem sido celebrada
em todo o mundo católico .
A
pergunta inevitável que surge é: se a festa se refere à instituição da
eucaristia por Jesus na noite da quinta-feira que antecedeu sua crucificação
(cf. Mt 26:17-30; Mc 14:17-26; Lc 22:7-20), por que é celebrada depois da
Semana Santa? O argumento de Urbano IV na já citada “Transitorus” é que na
Semana Santa os fiéis devem estar com suas mentes voltadas para a reflexão nos
acontecimentos da Paixão propriamente, e por isso, podem acabar perdendo de
vista a importância e o significado do evento da quinta-feira. Para evitar que
tal acontecesse, a celebração da instituição da eucaristia por Jesus foi
deslocada para um período posterior.
“Corpus
Christi” é, portanto, uma tradição católica ocidental. O protestantismo e o
cristianismo ortodoxo oriental não têm nada que seja similar. Mas a celebração
desta festa faz pensar em algo importante, a celebração da eucaristia por Jesus
e seu significado. Toda a cristandade tem no partir do pão e no beber do cálice
seu ritual mais significativo. Todavia, ao mesmo tempo, muita discussão tem
havido em torno do significado deste ritual, que é expressão de fé, e não
meramente uma parte da liturgia. Afinal de contas, o que Jesus quis dizer
quando afirmou "isto é meu corpo"? A tradição católica, trabalhando
com categorias filosóficas tomadas de empréstimo da filosofia aristotélica,
entende as palavras de Jesus em sentido literal. Ou seja, conforme o
catolicismo, no momento da consagração dos elementos da ceia – o pão e o vinho
– acontece uma mudança, não nos acidentes do elemento pão e do elemento vinho
(cor, textura, sabor, odor), mas na “substância” destes, ainda que isto seja
imperceptível aos sentidos humanos. A esta compreensão dá-se o nome de
“transubstanciação”, que significa literalmente "mudar de
substância".
A
Reforma Protestante no século XVI apresentou compreensões diferentes. Lutero,
que fora monge agostiniano, sempre teve a celebração da ceia do Senhor na mais
alta conta. Ele divergia da compreensão católica tradicional, mas afirmava que,
de alguma maneira, o próprio Jesus se faz presente no momento da ceia, “junto
com”, “em com” “e sob” o pão e o vinho. A esta compreensão dá-se o nome de
“consubstanciação”, que significa literalmente "com a substância". Na
verdade, bem antes de Lutero houve quem entendesse a eucaristia em termos de
consubstanciação. Mas o catolicismo tradicional rejeitou esta compreensão.
Zuínglio,
contemporâneo de Lutero, iniciador do segmento protestante conhecido como
"Reforma Reformada" (que teve mais tarde em João Calvino seu nome
mais conhecido) divergiu das duas interpretações até agora citadas. Para
Zuínglio as palavras de Jesus ditas por ocasião da última ceia devem ser
entendidas de modo figurado, simbólico, e nunca de um modo literal. Portanto,
para aquele reformador suíço, o pão e o vinho simplesmente simbolizam o corpo
de Jesus morto na cruz e seu sangue derramado.
Carlos
Jeremias Klein, pesquisador brasileiro e pastor da Igreja Presbiteriana
Independente, em seu livro “Os sacramentos na tradição reformada” (São Paulo,
Fonte Editorial, 2005), mostra como a maioria absoluta dos evangélicos no
Brasil, pentecostais e não pentecostais, entende a ceia de maneira apenas
simbólica.
O
já citado João Calvino contribuiu para o debate com outra perspectiva. Para
Calvino, no momento da eucaristia Jesus se faz presente de maneira real, não
nos elementos em si, mas no coração dos fiéis. Esta é a “presença real” de
Jesus na ceia. A compreensão de Calvino talvez seja uma via média entre a
compreensão de Lutero e de Zuínglio. No entanto, é desconhecida da maioria dos
membros, e mesmo pastores, de igrejas de tradição calvinista propriamente.
Ninguém
pode negar a importância da ceia. Ninguém pode negar a importância desta
celebração na caminhada cristã. Ninguém pode negar a presença de Jesus Cristo
na vida dos que crêem. Não como um ritual mágico, para garantir sorte ou
prosperidade. Mas como um momento de renovação de forças para continuar na
jornada da fé, do amor e da esperança, no seguimento daquele que se deu por
nós, para nossa salvação.
•
Carlos Caldas é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de
São Paulo.
As
informações históricas foram extraídas do verbete "Feast of Corpus
Christi" da "The Catholic Encyclopedia".
Fonte:
http://www.ultimato.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário